sexta-feira, 28 de julho de 2017

À luz da corrupção



           Juntamente com a indignação popular diante da cada vez maior rede de benefícios mútuos e trocas de favores ilícitos entre empresários e políticos (e estes entre si), ouve-se muito a queixa de que tudo está um caos. O efeito percebido pode até ser caótico, porém estamos lidando com um sistema organizado, com seus próprios princípios.

A corrupção é inerente ao ser humano e parece ter suas raízes no narcisismo, que faz parte de sua constituição psíquica básica. No entanto, (acredita-se que) nem todo mundo se corrompe, dada a oportunidade para tal, apesar de se dizer que “todo mundo tem um preço”. Existe aí um jogo de forças no qual se encontram, de um lado, inveja, ganância, competitividade predatória, desprezo pelo próximo, exposição a risco; de outro, gratidão, generosidade, solidariedade, respeito ao próximo, medo de punição. Além desses, podem entrar também fatores ideológicos (na linha de “os fins justificam os meios”), e a racionalização frequentemente utilizada para tentar justificar os atos ilícitos: “todo mundo faz”.

Pode-se dizer que a corrupção é como uma semente que precisa de solo fértil para germinar. Nasce no coração do indivíduo, mas cresce e se desenvolve no solo das relações sociais e institucionais, regada por propinas, e não sob efeito de luz, mas de escuridão. Necessita de esforço por parte de uns, enquanto apenas exige que outros fechem os olhos. É um sistema que transcende os seres envolvidos, ainda que sustentado por eles. Serve aos interesses individuais de poucos, que se unem pelo que têm em comum, visando à manutenção do sistema, num círculo vicioso.

A manutenção ou a quebra desse círculo passa pela relação entre políticos, grandes empresários e população geral. Pode haver mudança de, da ou na relação. No primeiro caso, substituem-se os indivíduos. Considerando o povo e uma parcela dele, os empresários, como constantes, a classe que pode ser alterada é a dos políticos – normalmente, por meio de votação. Aí se impõem pelo menos duas questões: a confiabilidade do sistema de votação e, mesmo assegurando-se isso, a probabilidade de entrarem pessoas que de fato representem adequadamente os interesses populares. O segundo caso trata do modo relacional, das regras que normatizam as influências e trocas entre as instituições envolvidas; compreende fatores legislativos e judiciários. Essa é uma pedra angular, principalmente no contexto atual do país. No último caso, os atores em questão mudam de atitude – o que é considerado utópico, até ridículo.

Para haver mudança, é preciso primeiro haver apuração e reconhecimento dos erros. A postura mais comum dos acusados é negar participação em qualquer ilícito, sem o menor constrangimento, e por isso os corruptos são frequentemente taxados de “cínicos”. Curiosamente, esse termo, se usado em seu contexto original, jamais poderia referir-se a eles.   O cinismo era uma escola filosófica grega fundada por um discípulo de Sócrates. Eles pregavam uma filosofia prática, uma vida despojada de bens materiais e de amarras sociais, e buscavam o contato com a natureza e o aperfeiçoamento das virtudes morais.

Um desses filósofos, Diógenes (representado na pintura de Jacob Jordaens que ilustra este texto), tornou-se famoso pela maneira radical em que vivia suas convicções e pelas críticas ácidas dirigidas a outros filósofos, aos políticos e às normas sociais. Conta-se que Alexandre, o Grande, certa vez abordou Diógenes (que morava na rua, em um barril), oferecendo-lhe algo que desejasse. Diógenes teria pedido então que ele se afastasse um pouco, pois estava atrapalhando seu banho de sol. Em outra ocasião, o cínico saiu pelas ruas com uma lamparina acesa pela manhã. Quem zombasse dessa atitude, chamando-o de louco, deveria emudecer diante da resposta: “Estou procurando um homem honesto”.


Haverá uma “lamparina” que nos mostre em quem confiar? Haverá quem não se curve diante dos “Grandes” nem forje com eles alianças escusas? Nessa busca, a ênfase deve recair sobre a pessoa ou sobre a instituição? 

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