Juntamente com a indignação popular diante da cada vez maior rede de benefícios mútuos e trocas de favores ilícitos entre empresários e políticos (e estes entre si), ouve-se muito a queixa de que tudo está um caos. O efeito percebido pode até ser caótico, porém estamos lidando com um sistema organizado, com seus próprios princípios.
A corrupção é inerente
ao ser humano e parece ter suas raízes no narcisismo, que faz parte de sua
constituição psíquica básica. No entanto, (acredita-se que) nem todo mundo se corrompe,
dada a oportunidade para tal, apesar de se dizer que “todo mundo tem um preço”.
Existe aí um jogo de forças no qual se encontram, de um lado, inveja, ganância,
competitividade predatória, desprezo pelo próximo, exposição a risco; de outro,
gratidão, generosidade, solidariedade, respeito ao próximo, medo de punição.
Além desses, podem entrar também fatores ideológicos (na linha de “os fins
justificam os meios”), e a racionalização frequentemente utilizada para tentar
justificar os atos ilícitos: “todo mundo faz”.
Pode-se dizer
que a corrupção é como uma semente que precisa de solo fértil para germinar. Nasce
no coração do indivíduo, mas cresce e se desenvolve no solo das relações
sociais e institucionais, regada por propinas, e não sob efeito de luz, mas de
escuridão. Necessita de esforço por parte de uns, enquanto apenas exige que
outros fechem os olhos. É um sistema que transcende os seres envolvidos, ainda
que sustentado por eles. Serve aos interesses individuais de poucos, que se
unem pelo que têm em comum, visando à manutenção do sistema, num círculo
vicioso.
A manutenção
ou a quebra desse círculo passa pela relação entre políticos, grandes empresários
e população geral. Pode haver mudança de,
da ou na relação. No primeiro caso, substituem-se os indivíduos. Considerando
o povo e uma parcela dele, os empresários, como constantes, a classe que pode
ser alterada é a dos políticos – normalmente, por meio de votação. Aí se impõem
pelo menos duas questões: a confiabilidade do sistema de votação e, mesmo
assegurando-se isso, a probabilidade de entrarem pessoas que de fato
representem adequadamente os interesses populares. O segundo caso trata do modo
relacional, das regras que normatizam as influências e trocas entre as
instituições envolvidas; compreende fatores legislativos e judiciários. Essa é
uma pedra angular, principalmente no contexto atual do país. No último caso, os
atores em questão mudam de atitude – o que é considerado utópico, até ridículo.
Para haver
mudança, é preciso primeiro haver apuração e reconhecimento dos erros. A postura
mais comum dos acusados é negar participação em qualquer ilícito, sem o menor constrangimento,
e por isso os corruptos são frequentemente taxados de “cínicos”. Curiosamente,
esse termo, se usado em seu contexto original, jamais poderia referir-se a
eles. O cinismo era uma escola
filosófica grega fundada por um discípulo de Sócrates. Eles pregavam uma
filosofia prática, uma vida despojada de bens materiais e de amarras sociais, e
buscavam o contato com a natureza e o aperfeiçoamento das virtudes morais.
Um desses
filósofos, Diógenes (representado na pintura de Jacob Jordaens que ilustra este
texto), tornou-se famoso pela maneira radical em que vivia suas convicções e
pelas críticas ácidas dirigidas a outros filósofos, aos políticos e às normas
sociais. Conta-se que Alexandre, o Grande, certa vez abordou Diógenes (que
morava na rua, em um barril), oferecendo-lhe algo que desejasse. Diógenes teria
pedido então que ele se afastasse um pouco, pois estava atrapalhando seu banho
de sol. Em outra ocasião, o cínico saiu pelas ruas com uma lamparina acesa pela
manhã. Quem zombasse dessa atitude, chamando-o de louco, deveria emudecer
diante da resposta: “Estou procurando um homem honesto”.
Haverá uma
“lamparina” que nos mostre em quem confiar? Haverá quem não se curve diante dos
“Grandes” nem forje com eles alianças escusas? Nessa busca, a ênfase deve
recair sobre a pessoa ou sobre a instituição?
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