quarta-feira, 8 de março de 2017

Do que precisamos para começar a tratar este país como nosso?

Minha curiosidade por seres humanos parte das células, passa pelos órgãos, percorre traços e formas, discurso, linguagem; vai até o cérebro. Mentes humanas não cabem em neurônios. Gostemos ou não, somos sistemas abertos. Inevitável que meu fascínio por funções e disfunções se estendesse às famílias, ao meio. Não que eu tenha compreendido ou abandonado qualquer uma dessas instâncias, mas, ultimamente, é o nosso país que muito me intriga. Sondo as origens e entrevejo um futuro em que boa parte dos brasileiros parece desacreditar. Pudera! Nosso grau de identidade coletiva é deveras instável. Basta uma boa surra no futebol para rasgarmos a camisa. É “salve-se quem puder” dentro e fora de estádios. Para dirimir ainda mais o desejo de identificação, inúmeros têm sido os ensejos de nos envergonharmos de nossa nação. Adentrando, ainda que à revelia, a irremediável era da transparência, pressentimos: a temporada de escândalos está em seus primórdios. Podemos fugir para as colinas, para lá do muro de Trump, para a “zoropa”, para o Brasil “melhorado” cheio de cangurus ou para qualquer recanto que julguemos merecedores de nós, seres destinados a um país inteiramente distinto do que de fato dispomos. São muitos os refúgios e uma é pergunta que me parece crucial: do que precisamos para começar a tratar este país como nosso? Segundo os economistas Alberto Alesina e Edward Glaeser, em países com maior diversidade étnica, há menos disposição para redistribuir renda e contribuir com o estado de bem-estar social. Já países de pessoas etnicamente próximas funcionam como uma grande família, em que a colaboração se dá com naturalidade. O artigo me fez pensar que a falta de identificação coletiva no Brasil se deve à nossa heterogeneidade. Já sabemos que o Neguinho da Beija-flor é geneticamente mais europeu do que africano, mas as aparências teimam em nos inebriar. Em uma única semana, dois casos de violência ganharam as mídias em Fortaleza. Um corredor foi brutalmente agredido por assaltantes na avenida Beira-mar e sofreu traumatismo craniano. Em um bairro bem afastado da zona nobre, uma travesti foi espancada até a morte por pessoas que simplesmente não a aceitavam como tal. Qual dos casos ganhou repercussão no grupo de whatsapp da minha turma de faculdade? Longe de comparar tragédias ou minimizar justificadas indignações, meu questionamento apenas destaca o nosso maior pesar pelos mais semelhantes. E o Brasil, convenhamos, não é um país de semelhantes. Somos diferentes, diversos, distintos. Se adversidade é voltar-se contra, diversidade é voltar-se em diferentes direções. Num mundo cada vez mais adverso, que bela surpresa se a reverência indígena à natureza, a herança cultural africana e a tolerância mourisca portuguesa ainda nos salvarem! Podemos, quem sabe, passar a enxergar na pluralidade o caminho para a construção de um país singular. O desafio continua o de amar o próximo; o semelhante a gente tira de letra.


*Além do artigo de Alesina e Glaeser, muito recomendo Tópicos Utópicos, de Eduardo Gianetti.

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