Minha curiosidade por seres humanos parte das células, passa pelos
órgãos, percorre traços e formas, discurso, linguagem; vai até o cérebro. Mentes
humanas não cabem em neurônios. Gostemos ou não, somos sistemas abertos. Inevitável
que meu fascínio por funções e disfunções se estendesse às famílias, ao meio. Não
que eu tenha compreendido ou abandonado qualquer uma dessas instâncias, mas,
ultimamente, é o nosso país que muito me intriga. Sondo as origens e entrevejo
um futuro em que boa parte dos brasileiros parece desacreditar. Pudera! Nosso
grau de identidade coletiva é deveras instável. Basta uma boa surra no futebol
para rasgarmos a camisa. É “salve-se quem puder” dentro e fora de estádios.
Para dirimir ainda mais o desejo de identificação, inúmeros têm sido os ensejos
de nos envergonharmos de nossa nação. Adentrando, ainda que à revelia, a irremediável
era da transparência, pressentimos: a temporada de escândalos está em seus
primórdios. Podemos fugir para as colinas, para lá do muro de Trump, para a
“zoropa”, para o Brasil “melhorado” cheio de cangurus ou para qualquer recanto
que julguemos merecedores de nós, seres destinados a um país inteiramente
distinto do que de fato dispomos. São muitos os refúgios e uma é pergunta que
me parece crucial: do que precisamos para começar a tratar este país como
nosso? Segundo os economistas Alberto Alesina e Edward Glaeser, em países com maior
diversidade étnica, há menos disposição para redistribuir renda e contribuir
com o estado de bem-estar social. Já países
de pessoas etnicamente próximas funcionam como uma grande família, em que a
colaboração se dá com naturalidade. O artigo me fez pensar que a falta de
identificação coletiva no Brasil se deve à nossa heterogeneidade. Já sabemos
que o Neguinho da Beija-flor é geneticamente mais europeu do que africano, mas
as aparências teimam em nos inebriar. Em uma única semana, dois casos de
violência ganharam as mídias em Fortaleza. Um corredor foi brutalmente agredido
por assaltantes na avenida Beira-mar e sofreu traumatismo craniano. Em um bairro
bem afastado da zona nobre, uma travesti foi espancada até a morte por pessoas
que simplesmente não a aceitavam como tal. Qual dos casos ganhou repercussão no
grupo de whatsapp da minha turma de faculdade? Longe de comparar tragédias ou
minimizar justificadas indignações, meu questionamento apenas destaca o nosso maior
pesar pelos mais semelhantes. E o Brasil, convenhamos, não é um país de semelhantes.
Somos diferentes, diversos, distintos. Se adversidade é voltar-se contra, diversidade é voltar-se em diferentes direções. Num mundo cada vez
mais adverso, que bela surpresa se a reverência indígena à natureza, a herança cultural africana e a tolerância mourisca
portuguesa ainda nos salvarem! Podemos, quem sabe, passar a enxergar na pluralidade o caminho para a construção de um país singular. O desafio continua o de amar o próximo; o
semelhante a gente tira de letra.
*Além do artigo de Alesina e Glaeser, muito recomendo Tópicos Utópicos, de Eduardo Gianetti.
Excelente
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