Hoje
é dia 28 de dezembro, dia em que, no ano de 1990, foi editada a lei de criação
do SUS. Entre outras medidas sociais de nossa Constituição, o SUS foi mais uma
medida que aumentou as obrigações do Estado brasileiro.
Sou
médico desde o final de 2007. Logo após formado, tive a oportunidade de
trabalhar como médico de família e pude conhecer de perto a realidade de uma
população muito pobre e sofrida de meu país. Trabalhei em três municípios do
Sertão nordestino, em meu estado, Ceará, ao longo de cerca de dois anos. O que
uma experiência de convivência com a pobreza pode trazer para um indivíduo?
Certamente muito! Vivendo numa região tão carente, pude presenciar, na prática,
muitas questões assistenciais que ocorrem no Brasil. A inspiração deste texto
partiu de um relato que li nas redes sociais atribuído a uma colega médica,
Júlia Rocha, que afirmava que toda sua ideologia atual veio após uma
convivência como médica de família. Dizia ela que, antes de trabalhar com pacientes
pobres, era egoísta, homofóbica e contra o bolsa-família. Achava que o
feminismo era o oposto do machismo, mas, segundo afirmou, encontrou a salvação
e hoje defende todas essas bandeiras da esquerda, o que inclui o financiamento
público de campanha. Ao final de seu texto, com o bordão #foramonstros,
atribuiu às pessoas ruins a defesa por menor acesso ao sistema público de saúde
e o maior tempo de contribuição previdenciária. Afinal, é preciso ser uma
pessoa ruim para defender as bandeiras liberais? As pessoas que defendem menos
impostos e mais liberdades individuais estão prejudicando os mais pobres?
A
maneira mais eficaz de encontrar verdades atualmente é através das pesquisas.
Uma boa pesquisa, por sua vez, utiliza um bom método. Uma experiência pessoal,
como a dessa minha colega de esquerda, no entanto, pode servir sim de
inspiração para que cheguemos às verdades. Minhas dúvidas são: as ideias bem
intencionadas da esquerda são mesmo benéficas? A lei do salário mínimo aumenta
os salários? O sistema público de saúde provê uma melhor saúde? Defender mais
liberdade econômica é maléfico aos trabalhadores?
A realidade da pobreza
Muitos
não conhecem a realidade das cidades muito pobres, mas no Sertão nordestino, um
restaurante ou uma lanchonete é às vezes uma raridade. Numa das cidades onde
trabalhei, encontrei uma senhora aposentada, D. Tereza, que usava a parte da
frente de sua casa para comercializar alguns alimentos, o que ajudava nas
contas de casa. Tive a oportunidade de comer pasteis deliciosos ao módico preço
de R$ 0,50, que, mesmo em 2009, era muito pouco. Ela trabalhava com sua filha.
Num determinado dia, após meu expediente, em busca do pastel, tenho a infeliz
surpresa de que a D. Tereza havia fechado seu estabelecimento, pois sua filha
fora aprovada num concurso em outra cidade. Questionei à D. Tereza por que ela
não chamava alguma outra pessoa para ajudá-la? A resposta dela não sai da minha
memória: o que eu ganho com as vendas não me permite pagar um salário
registrado. Dizendo de outra forma: o comércio dela gerava renda a ela e sua
filha, mas não era suficiente para gerar a ela uma renda pagando um salário a
uma pessoa. Nas cidades ricas do país, como São Paulo, não há muitos empregos
que oferecem apenas o salário-mínimo, a maioria dos empregos pagam mais. Numa
cidade onde um pastel custa R$ 0,50, um salário-mínimo nem pode ser pago. Minha
questão: o que é melhor para a cidade pobre: a D. Tereza contratar alguém por
metade de um salário mínimo (ou qualquer outro valor) ou a D. Tereza fechar as
portas (como fechou)? E para o potencial funcionário da D. Tereza? É melhor
receber meio salário mínimo ou é melhor não ter o emprego e receber, em troca,
10% de um salário mínimo (o bolsa-família)? A existência do salário-mínimo,
neste caso pontual, foi ruim para D. Tereza, pois ela teve que fechar seu
comércio, foi ruim para o eventual empregado, que perdeu a oportunidade, e foi
ruim para a cidade, que perdeu uma fonte de renda e impostos. A intenção de
obrigar um pagamento mínimo é ótima, mas seus reais efeitos são o oposto da
intenção: gera desemprego e estagnação econômica. Pergunto: é melhor defender
uma ideia por sua boa intenção ou por seu efeito real?
Tive
a feliz oportunidade de atender inúmeros agricultores. Surpreenderam-me, pois
eram os mais honestos, os mais trabalhadores, porém, os mais pobres. Muitos me
diziam se orgulhar de pagar seu sindicato. Achei isso muito curioso, pois os
agricultores não eram, em minha cabeça urbana, uma categoria muito
sindicalizada, mas sim autônomos em suas pequenas terras. Perguntei a vários e,
depois de um tempo, entendi: eles pagavam o sindicato, mas não recolhiam o
INSS. Pagar o sindicato é uma maneira de comprovar a profissão de agricultor, o
que lhe concede o benefício de aposentar-se como trabalhador rural, mesmo sem
ter pago contribuições previdenciárias. Um dia presenciei uma reunião do
sindicato, onde pude escutar todas as frases clichês marxistas, e ouvi os
sindicalistas convencendo os agricultores da importância de pagar o sindicato,
para que pudessem receber seus direitos. Os agricultores estavam pagando
sindicato para se aposentarem, mas o seu pagador, a Previdência, nada recebia.
Isso, pela lei atual, não é ilegal.
Mas
nem tudo são espinhos na pobreza de meu estado. Eu tive momentos que me
trouxeram um enorme sentimento de otimismo. Muitos pacientes que eu atendia não
tomavam seus remédios corretamente por não entenderem como fazê-lo. Eu tinha
que me desdobrar para tornar minha receita mais eficaz: diminuía a quantidade
de remédios, desenhava sol e lua para que os que não liam entendessem ser um
comprimido pela manhã e um a noite, enfim, era um desafio diário. Comecei a
perceber então que os pacientes acompanhados de seus filhos ou netos tinham uma
enorme vantagem: todas as crianças sabiam ler! Passei até a recomendar que
viessem acompanhados deles, pois ajudava muito ao paciente que outra pessoa
entendesse a receita para que lhe explicasse em casa. Foi um verdadeiro momento
de epifania: percebi que as novas gerações estavam com uma vantagem enorme, e
que o futuro poderia ser sim promissor!
Algumas tentativas para
mitigar a pobreza podem, na verdade, aumentá-la.
Algumas
tentativas para mitigar a pobreza e o sofrimento podem, na verdade, aumentá-la!
Quando um defensor do agricultor pobre afirma que ele tem o direito de se
aposentar aos 55 anos mesmo sem ter contribuído à Previdência, pois há recursos
do PIS, COFINS, CSLL e imposto de importação, como manda a Constituição, esse
defensor precisa saber que quem paga esses impostos são pessoas como a D. Tereza,
dos pasteis. Ajudar o agricultor é muito importante, mas isso não pode custar o
negócio da D Tereza, pois, assim, o resultado será o oposto à intenção. Além
disso, quando um governo gasta 30% do orçamento com previdência, mas apenas 6%
com educação, ele está sendo filantropo, porém, não está resolvendo a pobreza.
Quando alguém defende o aumento (ou a existência) do salário mínimo,
involuntariamente, esse alguém está defendendo um maior desemprego. Não é minha
opinião, são as consequências inevitáveis do sistema voluntário de trocas
comerciais da humanidade. Numa cidade onde o salário mínimo for maior do que a
capacidade de o empregador pagar, haverá uma menor oferta de empregos.
O discurso de que é por
falta de coração que pessoas defendem políticas econômicas mais liberais e
menos estatizantes é falso!
Conhecer
a pobreza, ver nos olhos do outro suas necessidades básicas, deve, sim,
sensibilizar as pessoas de bem! O que fazer para diminuir esse sofrimento, no
entanto, deve ser bastante estudado para que seja eficaz. Um liberal, quando
defende o fim do salário mínimo, está lembrando da D. Tereza, que poderia
tornar viável o seu pequeno comércio de pasteis! A defesa de uma previdência
pública mais enxuta tem o objetivo de poupar os gastos públicos, pois, para
pagar um direito de alguém que não contribuiu para isso, será tirado dinheiro
de um outro (a D Tereza pagar COFINS para a Previdência poder pagar a
aposentadoria do agricultor), além de coibir o jeitinho brasileiro (o
agricultor pagar para um sindicato ao invés de pagar para a Previdência). A
esquerda não tem o monopólio da virtude. O discurso de que é por falta de
coração que pessoas defendem políticas econômicas mais liberais e menos
estatizantes é um discurso falso ou ignorante. É por conhecer a pobreza, é por
conhecer o sofrimento dos outros que os liberais defendem as políticas
liberais.
O
verdadeiro gerador de riqueza e progresso é o indivíduo, seja o agricultor, o
comerciante ou o industrial. Quanto mais valor o indivíduo consegue produzir,
maior o enriquecimento da população. A medida de maior impacto no aumento da
riqueza é conseguir produzir mais com o mesmo custo (produtividade) e, para
isso, são necessárias ferramentas e invenções provenientes da educação. Gasto
público em qualquer área pode trazer impactos bons ou ruins por muito ou pouco
tempo, mas um gasto que gera impactos positivos que se multiplicam sozinhos é o
gasto com a educação. O Estado pode, sim, ser uma instituição a quem recorrer
numa situação de necessidade, mas, por ser sempre menos eficiente, deve ser o
último recurso, não o primeiro. A prioridade do Estado deve ser tornar possível
aos seus cidadãos realizarem seus afazeres. Faz-se isso ao estimular e promover
a educação, por um lado, e ao não atrapalhar com impostos e regulamentações
excessivas. Este é o verdadeiro papel do Estado. O Estado ser uma gigantesca e
ineficiente instituição filantrópica irá dificultar isso. E não sou monstro por
pensar assim.
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