domingo, 22 de maio de 2016

"Um Brasil de Caranguejos", de Raymundo Netto


Você que inventou esse estado e inventou de inventar
toda a escuridão. Você que inventou o pecado
esqueceu-se de inventar o perdão
Apesar de você, amanhã há de ser
outro dia!
(Chico Buarque)

O Ministério da Cultura voltou! O presidente interino – não por bondade nem por entender a necessidade estratégica da cultura para o desenvolvimento do país, o que é lastimável – voltou atrás e decidiu manter o Ministério.
Para quem sabe o que é cultura – e não estamos falando de mero entretenimento – e percebe o que a diversidade cultural de um país de proporção continental e miscigenado como o nosso representa enquanto riqueza – quem pensa que riqueza é apenas um tríplex com piscina e um Ferrari na garagem, não sabe, mas é pobre, pobre, pauvre de marré deci – o anúncio da extinção desse Ministério, que não já não atuava em toda a sua plenitude – nunca foi prioridade de governo – e que levaria anos para alcançar seu objetivo, é de uma gravidade extremosa e reveladora.
Vivemos num país no qual o seu conceito ainda é muito mal interpretado, menos ainda interiorizado como pertença e não é abraçado por muitos, além de que a sua ausência favorece aos interesses dos doutores da elite burra e gananciosa, afinal: um povo sem cultura é gado que em vez de chocalho bate panelas e desgasta o sofá no horário nobre de TV.
O tecnicismo de alguns governos que veem apenas a riqueza material como fonte de sobrevivência da nação nos indica o nível de miséria cultural de seu povo. E essa miséria cultural atrai a outra, de agarro e abraços com a injustiça e a desigualdade social. Claro que quem tem uma pontinha de segurança, os favorecidos historicamente e muitas vezes com poucos méritos de conquista, principalmente os homens, os brancos e os de classe alta e média, não se importam com questões de cultura e muito menos com a defesa de garantias sociais. Não é com eles! Daí, tremem de raiva ao ouvir falar de bolsa família, lei de cotas – que beneficia os negros e aqueles em situação de vulnerabilidade social –, favorecimento de casas populares, questões do aborto, o direito de transexuais e travestis em usarem um nome social (direito ora ameaçado por projeto (des)encabeçado por parlamentáveis dos partidos do atraso, como o PSDB, PRB, PV, PR, PHS, PSC, PROS, DEM e PSB, sempre eles), do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos – afinal, vociferam: “lugar de mulher bela e recatada (recalcada?) é servindo, por obrigação, ao macho em seu lar (cárcere privado)”; “negro não é raça” (e o branco é o quê?); e “direitos humanos é coisa de comunista (mas fui mal aluno em sociologia)” – entre outros benefícios que rondam a periferia de suas vidas e que só incomodam quando lhe chegam na esquina e gritam: “Fortaleza – a nossa – apavorada!”
Junte-se a esses atrasados, a bancada cruel, ignorante e preconceituosa mantida pelos evangélicos, e não pelos evangelhos (que significam “Boas Novas”), e que usa o nome de Deus e da família – recusam as novas configurações familiares –  para patrocinar a tortura e a opressão humana, o machismo e a domesticação feminina, a castração da sexualidade, a visão da arte como vagabundagem (só entendem de dinheiro, que é o negócio deles), e a expropriação livre daqueles que já nada tem em troca da vacina da resignação e da promessa de um paraíso de fundo de rede.
Cadê a manifestação dessa turma diante da atualíssima crise no sistema público de educação? O que há na cabeça desses infelizes, egoístas e infiéis à revolução cristã? Ora, Jesus não nasceu e defendeu os pobres, as minorias, os excluídos, com quem conviveu e dividia pães e peixes até a sua execução ser encomendada pelo poder e pela bancada sacerdotal da época?
A Educação e a Cultura, as maiores e mais duráveis conquistas de um povo, os verdadeiros instrumentos do progresso e do desenvolvimento, da harmonia e da autoestima de uma nação, sempre foram colocadas em segundo ou terceiro plano, e só lembradas durante campanhas eleitorais.
Há de se chegar a hora de ser abominosa e inaceitável toda a hipocrisia desses fariseus que manipulam as leis e as manobram em sacrifício do povo e em benefício próprio. Há de chegar a hora do povo despertar desse sono profundo e entender que somos um todo e que este país só será forte e respeitado pelo Mundo quando houver transformação social. Que esse dia venha pelas mãos do nosso povo e não por aventureiros. É querer demais?


#ELEIÇÕESGERAISJÁ  

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Mais Ciência e Menos Política?

Na sua opinião, qual o exame médico mais capaz de identificar uma alteração óssea, a ressonância magnética ou a tomografia computadorizada? E sobre aritmética, qual a sua opinião sobre quanto é 2 + 2? Sua opinião é relevante sobre esses assuntos? E sobre política, qual a sua opinião a respeito de privatização de uma empresa? Desde 2013, o brasileiro vem deixando de discutir futebol para discutir política. As disputas pela eleição de 2014 foram mais apaixonadas do que a torcida pela seleção brasileira durante a Copa do Mundo. Isso, a Copa tendo sido aqui no Brasil. Essa mudança ocorreu justamente, e talvez por isso, numa época de fácil propagação de ideias, com possibilidade de discussões a respeito de política via redes sociais e internet. Se antes cada brasileiro era um técnico de futebol, hoje cada brasileiro é um comentarista político. Diante de uma proliferação de comentaristas, naturalmente, alguns estarão embasados, enquanto outros escreverão as maiores bobagens. Grupos rivais, no entanto, acham que estão competindo com os mais renomados jornalistas ou cientistas políticos.



Acha-se facilmente na internet um vídeo em que o filósofo Bertrandt Russell dá, na primeira metade do século XX, dois conselhos à humanidade futura. Um dos conselhos é "diante de algum assunto que você venha a estudar, atenha-se aos fatos, não àquilo que você gostaria que fossem os fatos". Com as atuais discussões virtuais, acaloradas a ponto de causar perdas de amizades, obviamente, sugere-se que os ânimos se acalmem. Diante de uma discussão política com pontos de vista diferentes, no entanto, será que duas opiniões divergentes devem ser aceitas, pois ambas podem estar corretas, ou será que um dos (ou mesmo ambos) pontos de vista está simplesmente errado? Este texto tem a audácia de servir de guia politicamente correto para elevar as discussões sobre política.

Administração pública

O papel do Estado é um assunto de muita controvérsia, mas dois pontos são inquestionáveis:
  1. Para qualquer coisa que o Estado for fazer, será necessário haver verba.
  2. Toda verba do Estado provém de impostos.
Alguém discorda disso? Não, né? Ufa, nenhum inimigo novo até agora! Diante dessa verdade inquestionável, é salutar, portanto, que, antes de iniciar uma discussão, cada um se pergunte "eu sei quanto o governo possui de orçamento?". Se você sabe quanto o governo arrecada, a segunda pergunta a responder é "quais e de quanto são os principais gastos do governo?". Já sabe a resposta? Pode prosseguir. O próximo conhecimento indispensável para iniciar uma discussão política é "o orçamento do governo fecha no fim do ano ou são necessários empréstimos para fechar as contas?". Essas perguntas iniciais impedirão comentários bobos como "claro que tem dinheiro, o problema é a corrupção". Todas essas informações são públicas e divulgadas por órgãos com credibilidade, como o Portal da Transparência e o Banco Central do Brasil. Pronto, esta foi a parte fácil.

A parte mais difícil para responder à questão sobre verdades diante de discussões políticas vem agora.

Discussões sobre saúde pública

Com a Constituição Cidadã, de 1988, o Brasil passou a tornar papel do Estado o provimento de saúde pública, gratuita e universal. A grande discussão é: saúde pública bancada pelo Estado (ou seja, cada pessoa pagando via impostos - ou alguém ainda acha que é de graça?) é melhor que saúde privada (cada um pagando por si)? Parênteses: o não cumprimento desta determinação constitucional não torna, legalmente, todos os presidentes pós-1988 infratores da Constituição? Qual a consequência para um Presidente que fere a Constituição? Fecha parênteses. Perguntas a serem respondidas antes de discutir sobre saúde pública. 1- Qual o orçamento do Ministério da Saúde? 2- Quanto custa, por ano, por pessoa, a saúde nos países que possuem saúde de qualidade para todos? 3- Haveria verba para prover saúde pública de qualidade para todos os brasileiros se não houvesse corrupção? 4- A saúde pública gerida pelo Estado é mais eficaz na gestão de recursos? Em outras palavras, com o orçamento do Sírio-Libanês, o Estado consegue manter um Sírio-Libanês? Pronto: comecem a discussão. Com essas informações resolvidas, torna-se mais relevantes discussões como: como o Estado pode prover saúde pública para sua população de forma mais eficiente? Por meio do SUS, onde todo o serviço de saúde é planejado, executado e provido pelo Estado (como defendem os estatistas)? Ou por meio de vouchers (ou plano de saúde pago pelo governo) para serem usados em instituições privadas (como defendem os liberais)? Foi tomada uma decisão no passado, de enfatizar a saúde primária e preventiva, ao invés de focar na medicina especializada. Os melhores estudantes de medicina, no entanto, não têm escolhido trabalhar com saúde primária e medicina preventiva. Além disso, tem sido difícil interiorizar o provimento de saúde no interior do Brasil. Considerando que seja mesmo melhor priorizar a medicina primária e a medicina preventiva, qual a melhor maneira de tornar isso realidade? Essas perguntas podem ser respondidas de forma objetiva e técnica?

Não é necessário esmiuçar por categoria, pois o recado já foi dado. Para cada área, algumas questões precisam ser conhecidas antes de iniciar discussão. Muitos dos questionamentos, obviamente, não possuem ainda respostas, mas será que muitas das divergências políticas não poderiam ser solucionadas encontrando, simplesmente, verdades incontestáveis?

O "método científico" para buscar verdades

Há muitos anos, nas universidades e em instituições de pesquisa, utiliza-se o "método científico" para buscar verdades. O método científico consiste em uma técnica de busca da verdade. Conhecimentos prévios aliados a testes imparciais permitem avaliar hipóteses e chegar a conclusões. Na área da saúde, por exemplo, um ensaio clínico duplo-cego randomizado é a maneira mais eficaz de saber se um remédio funciona ou não. Esse tipo de estudo utiliza dois grupos de pessoas, distribuídos de forma aleatória, um grupo que usa pílula com medicamento e outro que usa pílula de farinha. Os resultados são avaliados por pessoas que não sabem quais indivíduos tomaram uma ou outra pílula. Será possível chegar a verdades políticas ou verdades em administração pública utilizando o método científico? Será que não seria uma maneira mais racional para se tomarem decisões? Quais foram os parâmetros que nossos parlamentares usaram, em 1988, para escrever nossa Constituição? Foram embasados em algum estudo científico? Nossos presidentes utilizaram alguma ferramenta científica para escolher a melhor maneira de distribuir o dinheiro público? Se o objetivo político é “prover saúde de qualidade para todos”, a solução mais eficiente precisa ser “prover saúde por empresas do governo, com remédios comprados pelo governo, prescritos por médicos contratados pelo governo”? Será que a resposta a essa pergunta pode ser dada pela Ciência, tornando menos relevante a opinião pessoal de milhares?

Parece que, ao invés de brigar ou cuspir em pessoas que divergem da própria opinião, seria mais construtivo o estudo científico da questão da discórdia. Será que a Ciência ainda não consegue determinar verdades para perguntas tão polêmicas como "privatizar melhora ou piora a utilidade de uma empresa para uma população?", "elevar impostos para aumentar a oferta pública de um serviço realmente o otimiza?", "subsídios a empresas grandes enriquece ou não um país?".

Naturalmente, para escrever no Facebook, não é necessário um estudo detalhado sobre um assunto de educação pública ou administração de verbas da saúde, mas será que, para um administrador público, não deveria ser algo a se pensar? Talvez seja possível deixar de lado as discussões para assuntos que a Ciência não pode ainda encontrar verdades. Como tornar as decisões estatais mais científicas? Mais técnicas, menos políticas? Será que a democracia que permite semianalfabetos serem eleitos é uma maneira aceitável de decidir políticas públicas? Os analfabetos precisam ser representados no Congresso Nacional? É inteligente permitir que “qualquer pessoa” proponha leis, mas apenas juízes submetidos a difíceis exames julguem as execuções dessas mesmas leis?


A proposta

Fica aqui uma proposta, em tempos de incontestável necessidade de reforma política: criar, no Congresso Nacional, grupos de cientistas com o objetivo de decidir baseado na ciência, não nos interesses de grupos políticos. Seguindo o conselho de Russel, políticas públicas precisam ignorar ideologias (aquilo que se gostaria que fosse a verdade) para encontrar as melhores soluções de problemas. Talvez a Ciência possa contribuir um pouco mais, e a Política, um pouco menos. As comissões técnicas do Congresso – Comissão de Ética, Comissão de Justiça, Comissão de Educação, etc.- talvez não precisem ser formadas por políticos. E se essas comissões fossem formadas por cientistas, com provas de admissão periódicas, com critérios mínimos de seleção (ser PhD, por exemplo)? Apenas as propostas de lei que fossem cientificamente aceitáveis, seriam postas em votação no Plenário, que, por sua vez, talvez devesse ser composto por políticos com formação acadêmica mínima o suficiente para entender questões técnicas tão diversas. Talvez fosse interessante que, para se candidatar, as pessoas deveriam primeiro ser aprovadas num teste sobre história do Brasil e administração pública, com questões de metodologia científica e lógica aristotélica. Talvez fosse interessante exigir um curso superior. Ao invés de cada deputado ter direito a 30 assessores, deveria ter direito a dois ou três. Ao invés de 570 deputados, que tal 300? O dinheiro economizado com menos deputados e assessores poderia ser mais bem empregado em comissões científicas de nomes ilibados, qualificados e periodicamente modificados. Alguém tem uma sugestão técnica melhor?

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Nada é passageiro

Quando evito falar sobre a politica brasileira, no seu atual momento, é porque me ronda uma espécie de medo em falar uma tremenda besteira ou falar algo que já é tão manipulado por nós no dia a dia. Mas pior do que falar assunto batido é fingir que certas coisas não existem. 

Nosso país nas décadas passadas viu-se de frente a uma das maiores crises de problemas de forma estrutural decorrentes de mudanças na economia política. E quando escutamos que os problemas estruturais brasileiros já não existem tanto ou simplesmente são esquecidos e passados para trás por outros assuntos me doem os ouvidos. E isso chega a mim de diversas fontes.

Sendo mais ousada ainda, arrisco dizer que um grande exemplo é a baixa produtividade brasileira que por décadas só pode ser explicada por fatores estruturais como o baixo investimento da tecnologia, baixa qualidade de educação e a formação inadequada da força de trabalho. Exemplos esses que são apenas os pilares, creio eu.

A educação brasileira recebe um baixíssimo investimento por aluno, a destribuição de terras no país detém uma desigualdade desumana, os gastos nos outros setores públicos requerem melhorias no custo benefício, o nosso sistema tributário é um dos mais complexos e caros do mundo e ainda podemos fechar com um problema sério de exploração sexual que resulta de uma imagem lançada mundo a fora.

Negar os problemas estruturais da economia, política e sociedade em geral quando eles são tão evidentes nos tira a credibilidade que, na teoria, depositamos no nosso governo. Governo esse que demanda mais esforço para corrigir tais problemas.

Aí pulamos para o drama de tais mudanças serem aprovados pelo Congresso, o que geraria mais apoio dos parlamentares e então finalizamos a conversa falando das duas casas Legislativas envolvidas em suas próprias crises e seus respectivos presidentes citados em casos de desvio. Problemas de conjuntura? Quem dera! 

Ainda mais se a nossa crise fosse assim, como ela é apresentada ao resto do mundo (e para nós também). Isso significaria que seria momentânea e passageira. 

É, Brasil, nada tem sido muito momentâneo nem passageiro, e a minha esperança sobre e melhoria de tudo isso é uma delas. 


Bárbara Polyne